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Gilberto Mendes : Piano Solo - Rimsky

by Gilberto Mendes

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Gilberto Mendes : Piano Solo - Rimsky

[English Below]

Esta gravação apresenta um perfil da obra de Gilberto Mendes que abrange cinco décadas de ininterrupta atividade de composição. Esse panorama nos permite constatar, com admiração, que apesar das peças aqui registradas abordarem, em várias épocas, diferentes problemas estéticos – da questão do nacionalismo em 1950 ao pós-modernismo em 2000 –, elas revelam um extenso denominador comum de elementos retóricos que constitui o fundamento da linguagem musical do compositor.

O título, Rimsky, da obra que fecha este álbum (faixa 26) sugere uma homenagem ao compositor russo Nikolai Rimsky-Korsakov (1844-1908). A peça foi escrita por encomenda de Philip Rathé, diretor do Spectra Ensemble, da Bélgica, para ser estreada em 2000 em um festival na Rússia. Tal concerto não se concretizou, mas, mesmo assim, o Spectra realizou a estréia da obra naquele mesmo ano, em um concerto em Antuérpia. Em 2001, Rimsky teria finalmente sua primeira apresentação russa, na famosa sala de concertos para música de câmera do Festival da Primavera de São Petersburgo, sob a direção do pianista russo Yuri Serov. A fragmentação narrativa de Rimsky é um dos traços distintivos do estilo pós-moderno de Gilberto Mendes. Não há qualquer intenção de desenvolver organicamente o material exposto, pelo contrário, somos seduzidos a uma viagem rapsódica de episódios encadeados por associações de idéias. As freqüentes citações, sejam de temas inteiros (ou fragmentos deles), sejam de meros traços estilísticos genéricos, como ritmos ou sonoridades harmônicas, constituem outro traço marcadamente pós-moderno dessa obra.

Ressalte-se, porém, que a técnica de alusão desenvolvida por Gilberto Mendes difere significativamente daquelas exploradas por outros compositores contemporâneos importantes. Mendes não cita consultando a partitura original, mas sim de memória. Suas referências são sempre reminiscências afetivas, distorcidas sem pudor pela coleta “de ouvido”, turvadas pela combinação simultânea de mais de um registro de suas lembranças. Surgem assim os saborosos fragmentos da Sheherazade, de Rimsky-Korsakov, estritamente incorretos e deturpados pela combinação com harmonias da bossa nova, ritmos de tango e outras fontes populares. A estrutura de Rimsky guarda semelhança com outra obra anterior de Gilberto Mendes, seu famoso Ulisses em Copacabana Surfando com James Joyce e Dorothy Lamour que rodou o mundo e foi gravada por vários conjuntos. Os fragmentos estruturados através de repetições obsessivas conduzem finalmente ao ponto culminante da obra, um extenso episódio contrapontístico em que as ideias anteriormente apresentadas se sobrepõem, criando um denso mundo atonal e onírico.

É surpreendente constatar que, não apenas nessa passagem de dissonâncias contrastantes, mas também abaixo da superfície dos episódios cativantes, coexiste despercebido um uso livre das práticas serialistas. Uma análise detalhada nos mostraria como as melodias são transformadas em séries e submetidas a inversões, retrogradações e demais manipulações, segundo a tradição weberniana. O único momento em que a técnica serial faz-se perceptível é no fim do episódio onírico mencionado acima, no qual aflora um solo virtuosístico de piano com uma retórica francamente atonal. Uma das chaves para a compreensão da poética de Rimsky, assim como da de Ulisses, é perceber que seus exotismos eslavos, coloridos por escalas orientais tiradas das mil e uma noites da Sheherazade, são apenas falsificações pseudo-étnicas sem nenhuma fundamentação em pesquisas sisudas. Tanto a lembrança afetiva de um Cáucaso nunca visitado, quanto uma batida de rock da banda que ensaia na garagem da casa vizinha, tem direito de aparecer lado a lado na teia de referências da música de Gilberto Mendes. Fechando a peça, é para um tutti das cordas que Gilberto Mendes escreve a frase de derramado e irônico lirismo que parece restaurar provisoriamente a ordem improvável.

De Rimsky, no ano 2000, saltamos mais de 50 anos em direção ao passado para encontrar o jovem Gilberto Mendes esboçando seus primeiros trabalhos nos cinco prelúdios para piano, escritos entre 1945 e 1953 (faixas 21 a 25). Neles o compositor ainda buscava sedimentar seu métier enquanto estudava harmonia e piano no Conservatório Musical de Santos, sob a orientação de Savino de Benedictis e Antonieta Rudge, respectivamente. No primeiro prelúdio, o estilo é ingenuamente romântico e soa como uma reminiscência do Álbum para a Juventude de Schumann. Exceto pela declarada admiração pelo músico alemão, reiterada em outras oportunidades, nada se antecipa ali do estilo maduro do compositor. Nos prelúdios 3, 4 e 5, escritos em 1952 e 53, a influência determinante é a de Villa-Lobos. O uso de uma harmonização à francesa, acomodando traços da música popular brasileira, antecipa o estilo da bossa-nova que se avizinhava e constitui um interessante testemunho do ambiente musical santista daquela época. Paradoxalmente, as seções que fazem uso de materiais populares estruturados ritmicamente nos remetem de imediato à estética da escola nacionalista que o compositor abjuraria com veemência no Manifesto Música Nova do início dos anos 60. A despeito dos traços neoclássicos, reminiscentes de Milhaud via Villa-Lobos, é no segundo prelúdio, de 1950, que encontramos as passagens mais curiosas, construídas por alternâncias estáticas de acordes que prenunciam a fase minimalista do compositor nos anos 80. Gilberto Mendes atribui ao impacto da escuta do repertório de música concreta, então emergente, a influência determinante para a incorporação desse tipo de elemento repetitivo em sua linguagem.

Embora parte substancial da obra de Gilberto Mendes tenha sido escrita para piano – usado tanto como instrumento solista como acompanhador –, não se pode considerar que as preocupações sobre técnica pianística tenham um papel central em seu pensamento musical. Ainda assim, sua música para piano exibe um estilo consistente, derivado menos da gestualidade instrumental virtuosística do que da intenção expressiva e da busca por uma renovação criativa da linguagem.

Nesse sentido, são particularmente surpreendentes as 16 peças para piano escritas entre 1949 e 1959 (faixas 1 a 16). Da pouca estima por essas peças, demonstrada pelo próprio compositor ao confinar esses manuscritos à gaveta durante tantos anos, deduzir-se-ia que elas seriam obras de pouco interesse. Não é o que sucede. Talvez nenhuma delas venha a figurar no rol das peças fundamentais de Gilberto Mendes, mas ali já encontramos, às vezes com segurança, outras vezes embrionariamente, os elementos principais do seu estilo maduro.

Chama imediatamente a atenção a modernidade do estilo harmônico de todas elas. Se vez por outra aparecem elementos populares e pseudo-folclóricos que traem a influência da escola nacionalista, raramente o compositor incide no modalismo ingênuo que ele abominará na sua fase vanguardista.

Pelo contrário, as harmonias são sempre sóbrias e sem pieguismos, às vezes até ásperas. Em muitos momentos são aproveitadas em estruturas repetitivas que prenunciam o estilo minimalista dos anos 80, como por exemplo na de número 5, que antecipa os Três Contos de Cortázar.

No conjunto, as 16 peças contrastam entre si. As de tom scherzante, geralmente apoiadas por uma estrutura rítmica dançante (jogo de roda, valsa, fox-trote), como as de números 6, 7, 8 e 9, alternam-se às de tom francamente lírico, como as de número 2, 10 e 11. Surpreendem os encadeamentos harmônicos relativamente complexos, como na breve número 6, e os frequentes acentos jazzísticos com sabor de bossa-nova, temperados por ritmos sincopados, como na de número 4. Também marcante é o efeito parodístico de muitas delas, que resguarda a objetividade no tratamento dos materiais emprestados e antecipa a importância do efeito humorístico em seu estilo posterior.
Mais inesperadas ainda são as quatro peças finais do ciclo, numeradas de 13 a 16, cuja linguagem é abertamente atonal, sem concessões. Especialmente inventiva é a última, estruturada sobre uma melodia vagante de ritmo constante, como um baixo contínuo barroco que percorre toda a tessitura. Essas quatro peças finais são indubitavelmente as mais importantes do ciclo, pois demarcam o caminho para as inovações radicais que Gilberto Mendes empreenderia nos anos subsequentes.

Esta gravação é completada por duas peças de 1993, cujos títulos são dedicatórias. Für Annette (faixas 17 a 19) é um pequeno ciclo em três movimentos, sendo que o primeiro e o último sugerem um retorno voluntário ao estilo das peças da década de 50. Entretanto, como em qualquer retorno, a trajetória vivida altera os significados originais. O tom é cético, quase blasé, o estilo pianístico kitsch é de piano-bar e o foco parece estar num ponto distante fora do nosso alcance. Mas certamente a peça mais instigante do conjunto é a segunda, habilmente construída por um intrigante processo de acumulação da frase musical. Pour eliane (faixa 20) é uma pequena peça lírica que evoca sentimentos de ternura e intimidade. No conjunto, as duas representam a possibilidade de recuperação, pela pós-modernidade, de um tipo de expressividade lírica que o repertório da modernidade praticamente banira.

por Rodolfo Coelho de Souza


__________[English]

In this recording, we find a profile of Gilberto Mendes’ work, which covers five decades of continuous composition. The pieces presented deal with distinct aesthetic problems in different periods, from nationalism in 1950 to post modernism in 2000. Through this overview, we realise with admiration that, despite their diversity, the pieces reveal an extensive common basis of rhetorical elements which constitute the foundation of the composer’s very own musical language.

The piece entitled Rimsky, which closes this album (track 26), suggests a homage to the Russian composer Nikolai Rimsky-Korsakov (1844-1908). It was commissioned by Philip Rathé, director of the Spectra Ensemble from Belgium, to be premiered in 2000 in a festival in Russia. Although the festival never happened, the Spectra performed Rimsky for the first time in a concert in Antwerp. In the following year, the piece finally had its Russian première in the famous concert hall for chamber music at the Spring Festival of Saint Petersburg, under the direction of the Russian pianist Yuri Serov. The narrative fragmentation in Rimsky is one of the distinctive traces of its post modern style. There is no intention to develop organically the material presented. On the contrary, we are seduced by a rhapsodic voyage of episodes connected by the association of ideas. The frequent quotations, be they of entire themes or of their fragments, be they of mere generic stylistic traces such as rhythms or harmonic sonorities, evidently constitute another postmodern aspect of this piece.

It is important to note, however, that Gilberto Mendes’ technique of allusion differs markedly from other significant contemporary composers. Mendes does not quote from the original score but from memory. His quotations are always affective reminiscences, shamelessly distorted by gathering “by ear”, disturbed by the simultaneous combination of more than one memory dimension. Thus we can discern amusing fragments of Rimsky-Korsakov’s Sheherazade, strictly incorrect and disfigured by the mixture of harmonies from bossanova, tango rhythms and other popular sources. Rimsky’s structure resembles an earlier piece by Mendes – his famous Ulisses em Copacabana Surfando com James Joyce e Dorothy Lamour, world wide renowned and recorded by various groups.

The fragments structured through obsessive repetitions finally lead to the climax of the piece, an extensive counterpoint episode in which many ideas presented before are juxtaposed, creating a dense atonal and dreamlike world. It is surprising to remark that a liberal use of serial practices coexists in this passage of contrasting dissonances and beneath the surface of those captivating episodes. A detailed analysis reveals how melodies are transformed into series and submitted to inversion, retrogradation and other forms of manipulation, following the Webern tradition. The serial technique becomes noticeable only in the end of the dreamlike episode mentioned above, when a virtuoso piano solo flourishes with a frankly atonal rhetoric.

One of the keys for understanding the poetics of Rimsky, as of Ulisses, is the recognition that its Slav exoticism, coloured by oriental scales taken from Sheherazade’s a thousand and one nights, is only a pseudo-ethnic falsification without any foundation on solid research. Both the affective memory of a never visited Caucasus as well as the rock beat of a band rehearsing in next door’s garage have the right to appear side by side in the set of references in Gilberto Mendes’ music. Closing the piece, Mendes writes, for a string tutti, a sentimental and ironic lyric phrase, which seems to restore temporarily an improbable order.
From Rimsky in 2000, we leap back over 50 years to find the composer at a young age, working in his first drafts of cinco prelúdios for piano written between 1945 and 1953 (tracks 21 to 25). In these, the composer was still trying to establish his métier while studying harmony and piano in the Conservatório Musical de Santos, under the supervision of Savino de Benedictis and Antonieta Rudge respectively. In the first prelude, the style is naively romantic and sounds like a reminiscence of Schumann’s “Album für die Jugend”. Except for his declared admiration for Schumann, repeated in other opportunities, nothing of his mature phase is foreseen. In Prelúdios 3 to 5, Villa-Lobos is the determining influence. The use of French like harmonization conciliated with traces of Brazilian popular music anticipates the forthcoming bossa-nova style and constitutes an interesting testimony of the musical environment in Santos at the time.

Paradoxically, the sections which make use of popular material rhythmically structured reminds us immediately of the nationalist school’s aesthetic, which the composer vehemently renounced in the Manifesto Música Nova from the early 1960s. In spite of the neoclassic traces in the melody and harmony reminiscent of Milhaud via Villa-Lobos, it is in the second prelude, from 1950, that we find the most curious passages, elaborated with a static alternation of chords which anticipates the composer’s minimalist period from the 1980s. Gilberto Mendes attributes the incorporation of this repetitive rhetorical element into his language to the determining impact of listening to the emerging concrete music.

Although a substantial part of Gilberto Mendes’ work has been composed for the piano, both as a solo and accompanying instrument, his musical thought was not chiefly concerned with its technical aspects. Still his music for piano displays a consistent style, derived less from gestures associated with the instrument and more from the composer’s expressive intention and his search for a creative renovation of his language. In this sense, 16 peças para piano written between 1949 and 1959 (tracks 1 to 16) are particularly surprising. We could deduct from the composer’s little regard for these pieces, demonstrated by the fact that he confined their manuscripts in the drawer for many years, that they would be of small interest. This is not the case. Perhaps none of them will figure as one of Gilberto Mendes’ fundamental works, but we can already find in them the main elements of his mature phase, at times elaborated with certainty, at others only incipiently.

The modernity in their harmonic style immediately draws our attention. If sometimes popular and pseudo-folkloric traces appear, betraying the influence of the nationalist school, Mendes rarely resorts to the naive modal resources which he will abhor in his vanguard period. On the contrary, the harmonies are always somber and unsentimental, at times even harsh. They are frequently used in repetitive structures which foresee the minimalist style of the 1980s, as for example in piece number 5, which anticipates the Três Contos de Cortázar.

As a whole, the sixteen pieces contrast amongst themselves, alternating between those in a Scherzo tone, generally supported by a dance rhythmic structure (children’s play, waltz, foxtrot) as in number 3, 6, 7, 8, and 9, and those in a frankly lyric tone, as in number 2,10,and 11. The relatively complex harmonic linkage, as in the brief number 6, and the frequent jazz accents with a taste of bossa-nova, tempered with syncopated rhythms, as in number 4, are surprising. It is also remarkable to find an effect of parody in many of these pieces, which at the same time maintains objectivity in the treatment of borrowed material and anticipates the importance of a humorous tone in his later phase.

The final four pieces in the set, numbers 13 to 16, are even more unexpected in their openly atonal language, with no concessions made. Number 16 is especially inventive, structured on a melody with a vaguely constant rhythm as in a Baroque continuo which runs throughout the texture.

This recording is completed by two pieces from 1993, with dedications as titles. Für Annette (tracks 17 to 19) is a small cycle in three movements, in which the first and the last suggest a voluntary return to the style of his pieces from the 1950s. However, as in any return, the life course experienced alters the original meanings of this earlier phase. There is a skeptical tone, almost blasé, a kitsch style reminder of a piano bar with a focus that seems to be out of reach. But certainly the most provoking in the set is the second one, aptly constructed through an intriguing process of accumulating musical phrases. Pour Eliane (track 20) is a short lyric piece that evokes sentiments of tenderness and intimacy. As a whole the two pieces represent the possibility of recovering, through postmodernity, a lyric form of expression which had been abolished by the modernist repertoire.

by Rodolfo Coelho de Souza
English version by Claudia Barcellos

credits

released November 9, 2022

[Álbum gravado e lançado em 2003 no formato CD pelo selo LAMI e relançado em 2022, ano do centenário de nascimento de Gilberto Mendes. Apoio do Programa Petrobras Música]

Projeto e direção geral: Marcos Branda Lacerda
Direção técnica: Fernando Iazzetta
Assistente de áudio: Pedro Paulo Köhler
Edição e Mixagem: Fernando Iazzetta, Marcos Branda Lacerda, Pedro Paulo Köhler.
Estúdio de gravação
LAMI – Departamento de Música – ECA/USP
Março-setembro 2003

Masterização: Cia. do Gato
Design gráfico: Negrito Design

Fotos :
Yeda B. Mello (Quarteto e Lídia Bazarian)
Maria Elisa Bifano (Terão Chebl)

Vídeo :Pedro Paulo Köhler

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LAMI São Paulo, Brazil

O LAMI é um projeto vinculado ao Departamento de Música da Universidade de São Paulo voltado para a difusão da produção de música brasileira.

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